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Direito à educação x Direito à saúde: o conflito imposto pela pandemia

Ana Amélia é advogada do ramo educacional e, neste artigo, ela traça um panorama sobre o conflito de direitos fundamentais, como ocorre, na pandemia, entre os direitos à saúde e à educação.




Nos últimos meses, a humanidade tem sido privada de sua liberdade diante da adoção de necessárias medidas de isolamento social para combater a disseminação do Coronavírus (Covid-19). No âmbito educacional, a pandemia impediu que professores, alunos e escolas continuassem a trabalhar da forma como, costumeira e majoritariamente, a educação vinha sendo desenvolvida, ou seja, de forma presencial.


É certo que, antes do início da pandemia e do estado de calamidade pública que a ela se seguiu, já havia diversas modalidades de ensino a distância e métodos educativos realizados em ambientes virtuais. Contudo, o direito à educação é histórico e tradicionalmente exercido de forma presencial.


Essa realização presencial deriva da necessidade de socialização, de convivência com o outro, da necessidade de estar próximo e do afeto, que fazem significativa diferença, em maior ou menor grau a depender do seguimento escolar, na relação ensino-aprendizagem, já que, afinal, somos seres humanos.


E não é por menos, também, que a educação é consagrada como um Direito Humano e está assegurada, em diversos diplomas legais ao redor do mundo, e, para citar apenas um de âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que data de 1948, em seu art. 26 assegura que: “Toda a pessoa tem direito à educação (...)”.


O direito à saúde, assim como o direito à educação, também é categorizado como um direito humano fundamental. E, com o objetivo de preservação da saúde e da vida dos alunos, professores, funcionários que atuam nas escolas e suas respectivas famílias, e de evitar a disseminação da doença que possui altíssimo grau de contaminação, diversas autoridades públicas têm determinado a suspensão das atividades escolares presenciais, e, em algumas localidades, por longos meses. Tal situação mitiga o direito à educação não só do ponto de vista individual e acadêmico, mas tem causado um verdadeiro prejuízo do ponto de social e da saúde mental dos alunos, já que a escola é inegavelmente um espaço de construção da cidadania, da socialização, da criação de afetos – necessidades essencialmente humanas.


Parece, portanto, que a pandemia tem gerado uma situação de conflito ou colisão entre direitos humanos fundamentais e está nos impondo uma escolha cruel entre o exercício do direito à educação versus o exercício do direito à saúde.


Esta não é a primeira vez, contudo, que a efetivação de um direito humano fundamental parece, em princípio, chocar com o exercício de outro direito humano fundamental. Tribunais e juristas sempre se dedicaram a traçar teses e estudos sobre como devem ser abordadas as situações de colisão de direitos, sem se perder o foco na justiça. Esse é um desafio prático inerente à Ciência Jurídica.


E, doutrinariamente, os direitos humanos e fundamentais – categoria em que se enquadra tanto o direito à saúde quanto o direito à educação – possuem certas características que os fazem ser, assim, classificados.


Para além das clássicas características da universalidade (todo e qualquer cidadão é titular de direitos fundamentais) e da inalienabilidade (não podem ser alienáveis), dentre outras, merece destaque o fato de que os direitos fundamentais são dotados das características da concorrência e da relatividade.


Em geral, os direitos humanos e fundamentais são dotados da característica da concorrência, o que significa dizer que convivem entre si de maneira harmônica, no ordenamento jurídico, sendo até mesmo complementares. E, nessa complementariedade, reside a característica da relatividade, não havendo direitos fundamentais absolutos, podendo eles ser relativizados em caso de colisão e exatamente para coexistirem (com exceção do direito à vida e do direito de não ser escravizado, os quais são absolutos).


Dessa forma, somos todos chamados a inovar e a repensar como, no atual contexto de pandemia e isolamento social, o direito à saúde pode coexistir sem comprometer o exercício do direito à educação e vice-versa.


Para além do uso das plataformas digitais e do ambiente escolar virtual – os quais parecem não atender de forma plena e suficiente o exercício do direito à educação, sobretudo nos seguimentos de educação infantil e em locais que há mais de 1 ano as atividades presenciais estão suspensas –, outras estratégias como o ensino híbrido, a adoção de protocolos de segurança (máscaras, limpeza regular mãos, distanciamento entre carteiras), rastreio de contatos, priorização de professores e funcionários das escolas para vacinação, etc, devem ser pensadas, planejadas e adotadas.


Toda a sociedade tem sido desafiada e convocada para, com criatividade, responsabilidade e levando em consideração as características locais e regionais de cada realidade, criar novas estratégias que possibilitem uma maior efetivação do direito à educação, sem comprometimento do direito à saúde de todos, de forma a permitir, na prática, o pleno exercício de ambos os direitos.





Ana Amélia Ribeiro Sales é doutoranda e Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra. Advogada no JBL Advocacia (Belo Horizonte) e Consultoria Jurídica. Colunista da Revista Ponte.




 

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Referência:


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 18/02/2021.


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