Neste relato de experiência, as integrantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do curso de Pedagogia (UEMG) discutem as mudanças pedagógicas advindas da pandemia do novo coronavírus, com ênfase na produção de diários de bordo. Elas evidenciam as adaptações que devem ser feitas nessa prática docente em relação aos tempos que correm.
Fonte: Wix.
A pandemia da Covid-19 fez com que o mundo parasse e se reorganizasse frente à necessidade do isolamento social, a fim de conter a propagação do vírus e de seus dolorosos efeitos. Uma das consequências desse isolamento foi o aumento da utilização das tecnologias no trabalho (home-office) e na educação (ensino remoto emergencial).
O ensino remoto emergencial foi regulamentado pela Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Portanto, a partir dessa Portaria, foram instituídas, em caráter excepcional, aulas que utilizam tecnologias de informação e comunicação em instituições de ensino superior integrantes do sistema federal.
No contexto dos cursos de licenciatura, é muito comum o trabalho com os diários de bordo ou diários de campo. Na educação escolar presencial comumente são utilizados materiais como caderno e caneta para a realização diária dos relatos de experiências dos discentes que estão realizando estágio ou as atividades do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - Pibid, por exemplo.
Contudo, nesse contexto pandêmico, em que o isolamento e distanciamento físico foram necessários e as atividades presenciais interrompidas, a realidade educacional acabou se tornando virtual, inclusive dentro das atividades do Pibid.
Vale destacar que o subprojeto do Pibid no curso de Pedagogia, tratado neste estudo, foi iniciado no segundo semestre de 2020, com o foco na alfabetização matemática de alunos dos 1° e 2° anos do Ensino Fundamental de escolas públicas do município de Ibirité.
A equipe é composta por 28 estudantes do curso de Pedagogia, 3 professoras supervisoras atuantes nas escolas de educação básica, e duas professoras coordenadoras do subprojeto da UEMG – Ibirité.
As ações desse subprojeto acontecem, no mínimo, duas vezes por semana, de forma síncrona, por meio do ensino remoto e utilizando a Plataforma Teams da Microsoft; e também de forma assíncrona, em que são realizados estudos autônomos e outras atividades, como a escrita dos diários de bordo.
O diário de bordo possui diversas facetas. De acordo com Yinger & Clark (1988), pode-se considerá-lo um “pensamento em voz alta escrito num papel".
O processo de escrita usado para os diários de campo são perspectivas cujo objetivo passa por incentivar a docência,. Portanto, o conteúdo abordado pode ser utilizado em reflexões atuais e futuras da formação e/ou profissão, bem como na produção de pesquisas e escritas acadêmicas.
Tendo em vista o atual contexto e a missão do Pibid de proporcionar possibilidades de vivências da práxis pedagógica, este texto irá abordar a escrita em diários de bordo dentro do contexto do ensino remoto emergencial, ressaltando a importância desse diário para o processo de formação das estudantes participantes do programa e estudantes de Pedagogia. Além disso, pretende-se também discutir as implicações da construção desse documento em uma nova roupagem que, agora, utiliza os meios digitais em sua produção.
Nos encontros síncronos iniciais, estão sendo discutidos textos sobre formação e profissão docente, com o intuito de que haja uma discussão coletiva e reflexiva a respeito da formação no curso de Pedagogia e da prática profissional docente. O diário de campo é uma dessas temáticas abordadas e um dos documentos a construir no decorrer do programa, sendo que, devido ao atual contexto de isolamento, ele está sendo produzido, neste primeiro momento, digitalmente a partir dos registros das ações e reflexões das alunas a respeito dos temas lidos e tratados nos encontros formativos.
O diário de bordo foi um tema discutido dentro dos encontros síncronos e seu conceito pode ser diversificado, tendo uma motivação ou concepção diferente para cada área da pesquisa. Nesse sentido:
O diário pode ser considerado como um registro de experiências pessoais e observações passadas, em que o sujeito que escreve inclui interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos, sob uma forma espontânea de escrita, com a intenção usual de falar de si mesmo (ALVES 2001, p. 224).
Quando Freitas e Gebran (2006) falam sobre os estágios e como tais experiências podem ser importantes em relação à formação e docência, eles abordam também uma prática que se enquadra na visão do Pibid do curso de Pedagogia em relação ao uso dos diários de bordo. Nesse sentido, os diários determinam:
[...] espaços de aprendizagens e saberes ao tomarmos as atividades ‘tradicionais’ de observação, participação e regência (docência), redimensionadas numa perspectiva reflexiva e investigativa. Ao se indagar sobre os fundamentos e os sentidos dos conteúdos, dos métodos e dos contextos que condicionam a prática docente, que transcende a sala de aula, é possível dotar os futuros professores de atitudes críticas (FREITAS; GEBRAN, 2006, p. 87).
Desse modo, devido às mudanças ocasionadas pelo ensino remoto emergencial, foi necessário repensar uma das práticas realizadas dentro do Pibid, o diário de campo. Alguns desafios foram levantados a respeito do uso de um registro em formato digital, já que as supervisoras que corrigiam e analisavam a escrita dos diários estavam acostumadas com um formato mais orgânico, manual, com ilustrações, escritas elaboradas e às vezes improvisadas, carregadas de sentimentos gerados pela observação em campo/presencial. Contudo, a adaptação resultou na possibilidade de um diário digital, que é gradativamente construído a cada encontro.
O espaço escolhido para disponibilizar as escritas dos diários de bordo foi o Google Drive, em que foram organizadas três pastas correspondentes às três escolas estaduais participantes. Nesses arquivos, as alunas poderão compartilhar os textos produzidos individualmente, para posterior apreciação das docentes supervisoras e coordenadoras.
Entende-se que o diário de bordo digital tem representado um avanço qualitativo, tendo em vista algumas vantagens, como a troca mais rápida de informações entre as estudantes e as professoras, garantindo correções simultâneas, por exemplo. Segundo Souza et al. (2012, p. 187),
O objetivo do diário de campo é a realização de uma escrita reflexiva por parte dos estudantes do curso de Pedagogia, a fim de construírem a partir de suas percepções um documento escrito e reflexivo que contribua com a sua formação, na readequação e na adaptação de práticas.
Em decorrência disso, as discussões sobre como, onde e quando escrever são as mais recorrentes, podendo variar desde a escrita narrativa e/ou descritiva ou fazendo o uso de palavra-chaves.
Na modalidade remota, a escrita passa a ser digitada e não manual; as ilustrações se tornam colagens da internet e não feitas a mão; as discussões realizadas podem ser revistas através do auxílio das gravações dos encontros; e, por fim, a entrega das reflexões ficam disponíveis e armazenadas em uma ferramenta online (Google Drive) que podem ser acessadas a qualquer momento.
Quando pensamos a partir da perspectiva da educação, o uso de ferramentas tecnológicas foi identificado como alternativa possível para conciliar a execução de aulas remotas com o isolamento ou distanciamento social. Além disso, o uso dessas ferramentas se estendeu inclusive para a prática da escrita e elaboração do diário de bordo, alterando possivelmente o olhar e as reflexões construídas durante esse momento atípico da história humana.
Segundo Levy (1999, p.161) está em jogo ‘’ [...] a hipótese de que o irrefreável crescimento do ciberespaço nos indica alguns traços essenciais de uma cultura que deseja nascer. [...]’’. Desta forma, começamos a refletir sobre a ideia de mundos virtuais possibilitando a comunicação, as trocas de saberes e as novas formas de cooperação e de criação coletiva.
Por conseguinte, ficam visíveis as transformações que a pandemia trouxe para a educação. Foi necessário repensar métodos, apresentando modelos didáticos alternativos dentro desse contexto, os quais podem ir desde a construção de novos formatos (como os podcasts e vídeos) à readequação da escrita de um diário de campo digital, que está sendo construído a partir das percepções dentro do contexto remoto emergencial. Com isso, possibilita-se a reflexão tanto sobre as desigualdades de acesso dos(as) alunos(as) quanto o que implica ser professor/a e lecionar dentro dessa realidade.
Diante do exposto, considera-se o diário de campo uma importante prática de registro e análise para estudantes de licenciatura em processo de formação, visto que pode potencializar visões e práticas profissionais mais qualificadas, embasadas em reflexões consistentes e contínuas sobre a sua própria profissionalização docente.
No atual cenário educacional, marcado pelo Ensino Remoto Emergencial, professores(as) e alunos(as) precisaram novamente repensar suas práticas, e umas delas foi a construção de diários de campo, os quais foram (re)significados em formato digital.
Diante de desafios e incertezas, é necessário ressaltar a importância do registro das experiências vivenciadas por estudantes dentro desse contexto atípico em seus diários de campo. Mesmo com a roupagem digital, esse tipo de diário será um documento fundamental de reflexão, memória e análise da formação dessas discentes que cursam Pedagogia e participam do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – Pibid.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
BONCOMPAGNI, A.L.; MAIA, T.L.; MAIA, V.M.; MARTINS, J.C.; OLIVEIRA, A.G.; RUAS, T.S.; SILVA, A.L.R.; SOUZA, L.C. “O diário de bordo digital no contexto do Ensino Remoto Emergencial”, em Revista Ponte, v. 1, n. 6, ago. 2021. Disponível em: https://www.revistaponte.org/post/di%C3%A1r-bord-dig-contex-ens-rem-emerg
Thatiane Santos Ruas, Ashiley Luisa Rodrigues da Silva, Aline Gonçalves de Oliveira, Laura Carvalho de Souza, Ana Luiza Boncompagni, Tatiane Letícia Maia, Viviane Milena Maia e Janaína da Conceição Martins são pesquisadoras do Programa Institucinal de Bolsas de Iniciação à Docencia (PIBID), subprojeto Alfabetização Matemática, no curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
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Referências:
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FREITAS, Barreiro de; ABOU GEBRAN, R. Prática de ensino e estágio supervisionado na formação de professores. Avercamp. 2006.
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portaria Nº 544, de 16 de junho de 2020. Diário Oficial da União. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-544-de-16-de-junho-de-2020-261924872>. Acesso em: 01 dez. 2020.
PESSANHA, Roberto Moraes. O gigantismo das corporações de tecnologia que ganham com a pandemia. RELAEE - IFF. 2020.
Souza, A. P. G. D., Carneiro, R. F., Perez, S. M., Oliveira, E. R., Reali, A. M. D. M. R., & Oliveira, R. M. M. A. D. A escrita de diários na formação docente. Educação em revista, 2012, V. 28(1), p. 181-210.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
YINGER, R. J.; CLARK, C. M. (1988). El uso de documentos personales en el estudio del pensamiento del profesor. In L. M. V. Angulo (ed.), Conocimiento, creencias y teorías de los profesores. Alcoy: Editorial Marfil, S. A., 175-195.
ZABALZA, M. A.; BRITO Pacheco, J. A. Diários de aula: contributo para o estudo dos dilemas práticos dos professores. 1994.
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