O mapa etnográfico de Angola apresenta os povos, quanto à sua distribuição, divididos em dois grupos (Bantu e não Bantu). A maioria Bantu encontram-se distribuída em vários subgrupos diferenciados pelos fatores linguísticos e hábitos culturais. As diferenças de hábitos não impedem o entendimento dentro do mesmo grupo étnico. Entre os não Bantu encontramos a etnia San, que corresponde, no contexto sociocultural, a uma minoria étnica, habitando as regiões pouco férteis do Sul do país, nas províncias da Huíla, Cunene e Kuando-Kubango. São os habitantes mais antigos da região e vivem separados em pequenos grupos com características seminômades. Hoje representam menos de 10% da população que constitui o mosaico etnolinguístico do país.
A realidade multicultural nacional demonstra um elevado índice de discriminação dos Bantu para com a minoria étnica San. Discriminação esta que atinge particularmente a esfera educativa, o que resulta em níveis de escolaridade muito baixos, sendo que, em cada 10 crianças, 9 são analfabetas.
Nesta conformidade, a multietnicidade existente no contexto escolar deve – ou deveria – traduzir-se na criação de um clima de igualdade de oportunidades nas aprendizagens, baseado em atitudes de respeito e consideração pelas diferenças, por meio de práticas pedagógicas que estimulem a criação e o fortalecimento de estratégias inclusivas.
Ou seja, a questão da desigualdade educativa, caracterizada pelo estereótipo étnico-cultural e pela exclusão escolar, obriga-nos a pensar numa educação equitativa, favorável para a promoção da igualdade de oportunidades e, consequentemente, a inclusão e o sucesso escolar das crianças San no sistema de educação e ensino. Tal como nos alerta Rodrigues, “A educação é uma arma carregada de futuro, se for universal, se for inclusiva, se for inovadora e se for emancipatória” (Rodrigues, 2016, p. 61).
Em contexto multicultural, o direito à educação deve assegurar que as diferentes heranças culturais sejam acolhidas em contexto educativo, sem discriminação de qualquer tipo. Para tal, é importante que a base da política educativa seja ancorada na prática promotora da garantia do direito à educação e à igualdade de oportunidades na diversidade, pois, segundo Paxe (2017), o direito à educação é a base da política educativa. E as políticas públicas em educação ganham mérito com a natureza da resposta que elas proporcionam aos desafios de consumar a educação como um direito fundamental. E o papel do Estado, na visão de Pereira (2014), deve ser o de criar condições legais para que as diferentes heranças culturais tenham o seu espaço no programa educativo. Em relação à diversidade étnica e cultural, o que o Estado deve fazer é promover atitudes de respeito por essa diversidade e ajudar a combater os estereótipos e os preconceitos contra as minorias.
O elevado índice de marginalização de que é vítima a minoria étnica San (no acesso à educação e a outros serviços sociais) contrasta, em termos de Direitos Humanos, com o que foi plasmado na Constituição da República de Angola (CRA) e na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (LBSE), uma vez que a promoção da educação e da inclusão escolar, em particular no contexto angolano, têm como recurso a CRA e a LBSE, cujos paradigmas normativos servem como fundamento de aplicabilidade das políticas educativas necessárias para responder o processo de escolarização de todas as crianças em idade escolar, garantindo a qualidade de ensino, reduzindo os níveis de exclusão escolar e erradicando o analfabetismo.
A resposta no processo de escolarização de todas as crianças em idade escolar (sem quaisquer formas de discriminação das minorias étnicas) passa pela criação de medidas destinadas a promover um ensino de qualidade social em sintonia com ações legais e praticáveis, direcionadas à superação da desigualdade e ao pleno desenvolvimento da inclusão escolar das crianças San. Ou seja, ações educativas objetivas que busquem considerar os aspectos que desfavorecem as crianças San no processo escolar, identificando e mitigando fatores de insucesso.
A Lei, em seus vários artigos, fazem referência a olhares e a interpretações sobre a promoção de igualdade de direitos e de oportunidades, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, ou seja, a legislação angolana coloca a dimensão da especificidade educativa das minorias étnicas no Currículo Nacional num nível implícito, o que pressupõe fragilidades de objetivos pedagógicos orientados na perspectiva da inclusão escolar das minorias. Com a não inserção de orientações específicas e favoráveis à inclusão das crianças San no ensino primário está-se, consciente e/ou inconscientemente, a promover a exclusão das crianças San no sistema de educação e ensino.
As necessidades sociais e educativas da minoria étnica San obrigam-nos a pensar e a agir sobre uma realidade que aflige esta comunidade; exige-nos buscar uma solução para ajudar a atenuar os receios instalados no seio da mesma, sobre as suas capacidades de progressão social e educativa, sobre encontrar respostas capazes de solucionar os seus problemas atuais e sobre possíveis exigências futuras da nova geração de crianças San sem acesso ao processo de educação e ensino.
Por fim, sendo a escola uma sociedade em miniatura, onde encontramos pessoas de grupos étnicos e culturas diferentes, a instituição escolar certamente estará a contribuir e a promover a inclusão das crianças San se comtemplar, nos seus projetos, a preocupação com os San, o que pode ser feito através da promoção de práticas da educação equitativa nos espaços escolares.
Helder Maiunga é Professor do Instituto Superior de Ciências da Educação-ISCED-Huíla. Doutorando em Educação/Universidade da Beira Interior – UBI.
E-mail: helder.maiunga@ubi.pt
Maria Luísa Branco é Professora Associada da FCSH/Universidade da Beira Interior – UBI. Doutorada em Educação.
E-mail: Ibranco@ubi.pt
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Bibliografia
Angola. (2010). Constituição. Luanda: Imprensa Nacional.
Angola. Assembleia Nacional. (2016). Lei de bases do sistema de educação. Lei n. º 17/16, de 7 de outubro de 2016. Diário da República. N. º 170, I Série.
Pereira, A. (2014). Educação Multicultural: Teorias e práticas. Lisboa: ASA.
Paxe, I. (2017). Políticas educativas em Angola: Um desafio do direito à educação. Luanda, Angola: Casa das Ideias.
Rodrigues, D. (2016). Direitos humanos e inclusão. Porto: Profedições.
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