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Educação, tecnologias e diversidade semiótica

Neste ensaio, a professora e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro apresenta reflexões sobre a relação entre educação e tecnologias digitais, colocando em evidência a importância de se (re)pensar as práticas de leitura e escrita nas escolas. Com provocações sobre o lugar das TDIC's nas atividades de produção textual antes, durante e depois da pandemia, a autora ressalta a importância do trabalho com a multimodalidade para uma revolução pautada na diversidade semiótica em sala de aula.


Fonte: Pexels


Há muitas maneiras de entender o título desta mesa-redonda¹: “A educação como meio revolucionário no uso das tecnologias”. E brincar com essa polissemia é justamente a graça. É isso o que vou fazer, de início, para depois procurar listar algumas possibilidades que pensei – e fico pensando – na relação entre educação e tecnologias, especificamente as digitais, e mais especificamente ainda quando as associo à minha tarefa diária e inescapável de ensinar a ler e a escrever, em etapas mais adiantadas da escolarização – ensino médio e superior.


Será que, neste título, estamos considerando que a educação é um meio para aprendermos a usar e nos apropriar das TDIC? De que tecnologias estamos falando, exatamente? Eu cá associei imediatamente com as digitais, que são, ao mesmo tempo, as que me faltam na infraestrutura escolar e as que me exigem como profissional e docente.


Será que a escola tem revolucionado algo, em especial quanto às tecnologias? Ou é o contrário? As TDIC revolvem as coisas e nos deixam para trás; ou nos deixam pressionados a aprender, a ter de aprender de novo e de novo, a ter consciência da obsolescência dos recursos, dos meios e, por conseguinte, do que acabamos de dizer e de tentar ensinar?


Será a educação – escolar – o espaço de onde se pode exigir uma revolução tecnológica, em especial em termos de usos e práticas por meio de TDIC para intervir no mundo? Será a tecnologia digital um elemento incontornável para a escola? Se bem que... a escola tem sobrevivido quase sem ela, há bastante tempo, não é mesmo? O que vimos durante a pandemia nos deixou frustrados apenas? Ou também nos alertou para alguns processos que não temos enfrentado? E como enfrentá-los, sem as tecnologias adequadas?


Tenho feito perguntas, perguntas que provocam e que podem indispor algumas pessoas comigo e com o que quero dizer. Tenho evitado o preconceito contra as mediações tecnológicas e tentado ser racional, o mais possível, a fim de conseguir examinar o que acontece quando, por exemplo, ensino a escrever usando recursos tecnológicos diferentes, e o que acontece quando não tenho esses recursos; que impacto isso tem para o repertório que preciso ensinar e o que de fato consigo levar à escola.


Na semana passada, uma aluna do ensino médio me perguntou se eu seria a professora da turma no ano que vem. Era uma espécie de elogio, carinho, também um medo que as escolas públicas conhecem bem: o de ficar sem aulas, sem professora designada para a turma. Eu disse a ela que não, que me manteria no segundo ano porque tenho mais liberdade ali. Ela sabe da minha indisposição para trabalhar na obsessiva redação do ENEM. Debatemos um pouco sobre isso. E ela entendeu que a liberdade de transitar pelos gêneros discursivos e de saber que estou tentando mostrar a eles um repertório não me parece negociável. Não tem preço.


Durante a pandemia, usávamos o computador para tudo. Empregávamos recursos que alteraram nossos modos de escrever, exigindo uma diversidade semiótica que não tínhamos antes e não temos mais. Era revolucionário, mas passou. Talvez tenha mexido na maneira como eles e elas percebem seus textos, mas não apenas esses textos: também nas materialidades de que são feitos e nas camadas de elementos de que podemos lançar mão para que as redações sejam planejadas e produzidas, assim como para circularem e serem lidas/consumidas. Isso foi como ativar conexões em suas/nossas cabeças, iluminar e acionar links que andavam apagados, abrir listas e possibilitar escolhas dentre opções que podemos acessar, mas apenas porque tivemos chance de revolver as coisas, adicionar itens, explorar situações antes consideradas exteriores à sala de aula. Não eram ou não precisavam ser. Agora, voltaram a ser.


Não sei se o que peço é muito. É que fico olhando aquelas paredes levemente verdes, aquelas mesinhas e cadeiras azuis, quase sempre alinhadas, aquele quadro branco já manchado, e fico pensando se isso pode ser uma sala de aula de produção textual hoje, no tempo em que efetivamente vivo e atuo. Sim, pode, mas isso é pertinente a certos textos. Podemos, tranquilamente, escrever redações nesse ambiente. Mas não todas, não tantas. Podemos viver de esboços e projeções, mantendo a execução real do lado de fora, para outro momento, mas eu me frustro diariamente com isso. Sempre penso: dava para ser mais e melhor.


A Base Nacional Comum Curricular declara, em suas primeiras páginas, que pretende influenciar fortemente a formação inicial e continuada de professores, os materiais didáticos, o currículo escolar e, finalmente, cada sala de aula deste país. Não sei se estou de acordo com todos os pontos ali colocados, mas me disponho a enfrentar, por exemplo, a necessidade de trabalhar os textos como unidade central do ensino de língua materna; ou de que esses textos sejam diversos em seus gêneros e na intensidade de sua multimodalidade; ou na relação entre leitura, escrita e TDIC. E não apenas como tema, assunto de aula, mas como exercício diário, como manejo das linguagens, intimidade com elas, revolução.


Será que as TDIC revolucionam a educação? Essa resposta já não teria sido dada trinta ou vinte anos atrás? Não, não revolucionam. Não automaticamente. Parece-me fácil notar que, a despeito de as TDIC existirem há décadas e terem sofrido muitas intensificações e mudanças, a escola geralmente continuou respirando sem elas. É dizer: não é uma revolução automática, linear. Só pode ser o revolvimento de algo se fizermos as ligações necessárias, se admitirmos, se repensarmos, se avaliarmos pertinências e as considerarmos positivas. Fico pensando ali, entre as quatro paredes da minha sala de aula: poxa, a educação anda precisando é de tempo. Professores sem tempo – para estudar, para experimentar, para avaliar, para conhecer – não revolucionam nada. Professores sem tempo preferem copiar e colar, repetir, reduzir, simplificar. Assim como os estudantes, quando querem nos despistar. A educação não deveria apenas executar. Ela deveria propor, provocar, debater, desafiar. Quem é que tem tempo de responder à pergunta: que mundo eu quero amanhã? Estamos, aliás, em hora adequada para dizer isso. A sala de aula pode ser uma célula, cada uma com sua pequena revolução. Isso seria atômico! Na interação entre as condições gerais e nossa condição particular, precisamos encontrar o caminho para o pensamento, a diversidade e a possibilidade de fazer escolhas interessantes, inclusive as tecnológicas. Quem não tem nada... simplesmente não escolhe. Se não temos escolha, o que resta? Fazer o que sempre foi feito. Mas e quando descobrimos que podemos mais? Acaso a revolução não é esta descoberta?



¹ Este texto foi preparado para a mesa de encerramento do IV Encontro de Práticas Educativas Digitais (e-PED), ocorrida em 30 de setembro de 2022, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.




COMO CITAR ESTE ARTIGO:


RIBEIRO, Ana Elisa. “Educação, tecnologias e diversidade semiótica”, em Revista Ponte, v. 2, n. 10, nov. 2022. Disponível em:





Ana Elisa Ribeiro é professora titular do Departamento de Linguagem e Tecnologia do CEFET-MG, onde atua no ensino médio, no bacharelado em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens. É doutora em Linguística Aplicada pela UFMG, licenciada e bacharel em Letras-Português pela mesma instituição. Entre seus livros mais recentes estão Escrever, Hoje e Multimodalidade, Textos e Tecnologias, ambos pela Parábola Editorial. Ana Elisa também é coordenadora do projeto de extensão Aula Aberta.




 

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