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Filologia, literatura e ensino

A pesquisadora e professora Gracinéa Oliveira apresenta, neste artigo, uma introdução ao estudo da Filologia, sua relação com outros campos de estudo como a Linguística e a Literatura, além de seu papel na atualidade, sobretudo na educação.


Fonte: Wix


A Filologia, ciência cuja origem remonta à Grécia antiga, tem o texto escrito como seu principal objeto de estudo. Seus principais objetivos são estabelecer e editar textos, visto que esses sofrem alterações durante o seu processo de transmissão. O estabelecimento do texto implica a sua restituição à última vontade do autor e, para isso, além do conhecimento dos pressupostos teóricos e metodológicos da Filologia, é necessário também que se conheçam outras disciplinas como, por exemplo, Codicologia, História, Linguística, Literatura, Paleografia.


É importante ressaltar que a relação entre Linguística e Filologia é de “mão dupla”. Se, por um lado, o filólogo precisa conhecer cientificamente a língua do texto que irá estabelecer (sobretudo o estágio dessa língua à época da publicação/escrita do original ou do modelo), por outro, a publicação de textos críticos fornece material fidedigno para o estudo da língua.


A associação entre Filologia e Literatura também é mútua. Para estabelecer e editar textos literários, é necessário que o filólogo conheça a organização dos gêneros literários, seus aspectos formais e estilísticos. E, para analisar os textos literários, é necessário que o crítico tenha como fonte uma edição confiável, pois edições pouco criteriosas podem levar a erros de análise. Como exemplo, pode-se citar o famigerado caso da análise do poema “Áporo”, de Carlos Drummond de Andrade. O verbo “perfurando” saiu “perfumando” em uma edição, e essa foi a versão usada por um crítico na análise do poema. Ou seja, o estudo foi comprometido devido à edição pouco cuidadosa usada como fonte.


Até meados do século XX, a Filologia se debruçava mais sobre o texto literário; na atualidade, essa ciência expandiu seu leque de estudo, englobando textos de outros domínios discursivos. Isso não reduziu o interesse pela literatura, apenas ampliou o campo de atuação do filólogo. E um desses novos campos de interesse é o do ensino, especificamente o do material didático.


Como é sabido, o livro didático, na atualidade, é um dos principais (e, em muitas situações, o principal) suporte de ensino para o professor e para o aluno na educação básica no Brasil, tanto na rede privada quanto na pública.


Em alguns casos, o manual didático é um dos poucos meios de contato que o aluno tem com textos escritos, sobretudo literários. Assim sendo, espera-se que esse livro seja produzido com o máximo de critério e de zelo possíveis, sobretudo na transcrição dos textos.


Entretanto, pesquisas na área apontam que a realidade, em muitos casos, está bem distante disso, como é perceptível nos trabalhos de Mendes (1986), Soares (2003), Silva (2014), Barreto e Santiago-Almeida (2019), entre outros. “Esses trabalhos mostram as alterações que os textos sofrem ao serem transcritos para os livros didáticos e como essas mudanças alteram o sentido deles” (OLIVEIRA, 2021, p. 126). Isso ocorre porque muitas dessas alterações tendem “ao distanciamento e redução do texto original” (SILVA, 2014, p. 131). Entre vários problemas já detectados em pesquisas, citam-se como exemplos alteração da pontuação, substituição de palavras e mudança de tempos verbais. Todos esses problemas podem alterar o sentido de um texto, comprometer a qualidade do material que chega às mãos dos alunos e, consequentemente, interferir negativamente no processo de ensino e aprendizagem.


É importante se indagar sobre os motivos desses problemas aqui comentados. Um deles pode estar relacionado ao desconhecimento dos processos e dos problemas relativos à transmissão de textos. Daí a importância de se discutir esse assunto em um espaço destinado ao debate de questões relacionadas ao ensino. Assim sendo, intenta-se regularmente trazer uma questão relativa a este campo interdisciplinar – Filologia, Literatura e Ensino – para debate neste espaço.



COMO CITAR ESTE ARTIGO:


OLIVEIRA, Gracinéa Imaculada. “Filologia, literatura e ensino”, em Revista Ponte, v. 1, n. 6, ago. 2021. Disponível em: https://www.revistaponte.org/post/filo-lit-ensi



Gracinéa I. Oliveira é professora voluntária do Programa Português como Língua Estrangeira (PLE), do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e pesquisadora nas áreas de Língua Portuguesa, Literatura e Ensino. É colaboradora e editora do periódico Machadiana Eletrônica. É também colunista mensal da Revista Ponte, com a coluna “Filologia, Literatura e Ensino”.




 

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Bibliografia


BARRETO, Josenilce Rodrigues de Oliveira; SANTIAGO-ALMEIDA, Manoel Mourivaldo. Estudo do processo de transmissão de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em livros didáticos de língua portuguesa. Filologia e linguística portuguesa, São Paulo, v. 21, n. 1, p. 43-60. 2019.Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2176-9419.v21i1p43-60>. Acesso em: 20 abr. 2021.


CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


MENDES, Marlene Gomes. A fidedignidade dos textos nos livros didáticos no Brasil. In: ENCONTRO, 1986, p. 163-174.


OLIVEIRA, Gracinéa I. A escolarização de textos machadianos em livros didáticos: edição e análise de “O espelho”. Machadiana Eletrônica, Vitória, v. 4, n. 7, p. 107-140, jan.-jun. 2021. Disponível em: <https://periodicos.ufes.br/machadiana/article/view/35187/23436>. Acesso em: 23 maio 2021.


SILVA, Lilian Barros de Abreu. Crítica textual em material didático: a transmissão de Quincas Borba. XVIII Congresso Nacional de Linguística e Filologia. Cadernos do CNLP, v. XVIII, n. 05 – Ecdótica, Crítica Textual, p. 123-134, 2014. Disponível em:

<https://rb.gy/3sj3xb>. Acesso em: 18 maio 2021.


SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA; Aracy Alves; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (Orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. 2.ed. São Paulo: Autêntica, 2003.p. 17-48.

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