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Traduzir e publicar: o trabalho com o texto

Neste artigo, a tradutora e pesquisadora Juçara Valentino explora diferentes aspectos editoriais relevantes para o processo de tradução. Contextualizando o trabalho com o texto na perspectiva de sua publicação, a autora enumera fatores que devem ser observados pelo(a) tradutor(a) em suas práticas, constituindo uma lista de dicas valiosas, colhidas em suas vivências como tradutora, no contato com as editoras e em suas experiências acadêmicas sobre o tema.


Fonte: Pexels



A tradução é uma atividade essencial para todas as culturas, pois permite a interlocução entre povos falantes de idiomas distintos.

Parte significativa do que lemos passou por um processo de tradução: de bulas de remédios a manuais de smartphones, de livros de autoajuda aos clássicos da filosofia.

A tradução não é, entretanto, um produto do mundo contemporâneo. A Epopeia de Gilgamesh, criada por volta de 1200 a.C, considerada a primeira grande obra da literatura mundial, circulou amplamente pelo antigo Oriente Próximo, depois mais a leste, onde hoje é a Pérsia Ocidental, ao norte, na atual Turquia, e a oeste, ao longo da costa do Mediterrâneo, e não apenas na Mesopotâmia, onde foi composta pela primeira vez. Trata-se de uma distribuição bastante ampla, principalmente se levarmos em consideração as condições da comunicação entre os povos da época. Ao longo de centenas de anos, foram encontradas traduções da obra em pelo menos três ou quatro línguas conhecidas.


Apesar de a história da tradução ser quase tão antiga quanto a história da humanidade, é somente nos anos 1970 que a área de Estudos da Tradução, como saber autônomo, começa a se estabelecer. Anteriormente, a tradução aparecia como uma área da linguística ou do campo de estudos de Literatura Comparada. Essa mudança de perspectiva é geralmente chamada de “virada cultural” dos estudos de tradução, que passam a enfatizar a importância de se pensar no texto num contexto cultural, ultrapassando os seus aspectos puramente linguísticos. Vários foram, desde então, as tradutoras e tradutores que escreveram sobre o processo de levar um texto do domínio de uma língua ao domínio de outra, cada qual defendendo sua posição que varia entre a fidelidade e a apropriação, a autonomia e a heteronomia, a domesticação e a estrangeirização.


Para além da transposição de uma língua para outra, há outros aspectos relativos à tradução que vão influenciar a forma como a(o) leitora(or) vai apreciar ou não o texto final. Como textos traduzidos são geralmente destinados à publicação, o conhecimento de determinados processos editoriais pode fazer com que a tradutora ou tradutor tome certos cuidados para que o produto final seja o melhor possível. Pensando nisso, e partindo da minha ainda tímida experiência como tradutora, cheguei à lista de alguns aspectos editoriais a serem observados durante o processo de tradução. A lista possui exemplos do mercado de tradução de livros, mas algumas dicas também podem ser utilizadas em traduções técnicas.


1. Insira na primeira página do documento a forma como seu nome, enquanto tradutora(or), deve aparecer na ficha catalográfica da obra impressa ou e-book.


2. Como textos a serem traduzidos podem variar quanto ao gênero, formato, extensão, público alvo etc., é sempre bom saber o que a casa editorial espera daquele projeto. Então, peça instruções claras.


3. A forma mais utilizada para se medir a extensão do texto para tradução é a lauda, que costuma variar de 1.800 a 2.100 caracteres com espaços. Para calcular a quantidade de laudas de um arquivo de texto, divida o total de caracteres com espaço pela extensão da lauda acordada com a casa editorial. A contagem de caracteres é feita no programa editor de texto (aba Revisão > Contar palavras ou na barra inferior, clicando-se em Palavras).


4. A tradução pode ainda ser medida pelo número de palavras, pelo número de páginas (para textos com muitas figuras, esquemas, etc.) ou por projeto (geralmente é o caso para a tradução de livros de poesia ou livros infantis, que geralmente têm pouco texto escrito).


5. Parece uma orientação óbvia, mas vale ressaltar que o texto deve ser traduzido por completo, o que, no caso de livros, inclui o título, o texto da contracapa, orelhas, sumário, índices, anexos, apêndices, dados sobre autora(s)/autor(s) etc. Mais uma vez, esclareça com a casa editorial se há algum desses elementos que não deva ser traduzido, pois o cálculo do valor da tradução depende disso.


6. As referências bibliográficas também fazem parte do texto e devem constar no arquivo final da tradução. É preciso saber qual norma será adotada para a padronização das referências. Em alguns casos, a editora pode solicitar que sejam pesquisadas as obras citadas e que já foram publicadas no Brasil. Caso tenha que executar essa pesquisa, isso também deve ser levado em consideração para o cálculo do preço do serviço.


7. Quando o original apresenta notas de rodapé, elas devem ser traduzidas e levadas em consideração para o cálculo do preço do serviço.


8. Antes de fechar o valor do serviço, veja quantas páginas do texto você consegue traduzir em uma hora e quanto tempo levará para traduzir o texto por completo. Leve em consideração também o tempo de revisão e de conferência da tradução. Esse cálculo é essencial para evitar problemas futuros com o prazo.


9. Ajuda bastante, na hora de realizar a revisão, se houver marcações no texto traduzido das páginas referentes ao texto original. Essas marcações podem ser retiradas antes da entrega para a casa editorial ou deixadas para guiar o revisor. Isso também pode ser acordado com a(o) produtora(or) editorial.


10. Crie um cronograma de tradução e preencha-o diariamente para acompanhar de forma clara o andamento do trabalho em relação ao prazo acordado com a casa editorial.


11. A tradução deve garantir um texto em português com fluência de leitura. A casa editorial deve esclarecer se prefere que termos, expressões e conceitos que apresentem algum conflito cultural sejam adaptados para o idioma-alvo, por meio de conceitos equivalentes, ou explicados em uma nota de rodapé.


12. Se não dominar o assunto do texto a ser traduzido, procure saber se haverá uma revisão de conteúdo por alguém que domina o assunto.


13. Quando uma parte da tradução já estiver pronta, envie para a pessoa responsável pelo projeto e solicite um retorno. Dessa forma, é possível ajustar eventuais problemas ainda durante o processo de tradução.


As práticas apresentadas nesta lista foram recolhidas tanto em minha prática tradutória quanto em conversas com tradutoras(es) e editoras(es) mais experientes e em cursos, palestras e encontros sobre o tema. A ideia é usá-la como uma espécie de check-list para organizar a prática. Entretanto, ela está longe de esgotar o assunto! Há outras dicas relativas ao trabalho com o texto que serão apresentadas em outro artigo que aparecerá em breve por aqui.



COMO CITAR ESTE ARTIGO:


REIS, Juçara Valentino da Silva. “Traduzir e publicar: o trabalho com o texto”, em Revista Ponte, v. 1, n. 6, ago. 2021. Disponível em: https://www.revistaponte.org/post/tradu-public-trabalho-texto



Juçara Valentino é professora e tradutora de francês desde 2008, e pesquisa a literatura francesa contemporânea escrita por mulheres. É formada em Letras pela UFMG, mestre em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG, onde fez estágio de docência, e doutoranda em Estudos Literários - Poéticas da Tradução na UFMG. Membro do Grupo de Estudos "Mulheres na Edição" (CEFET-MG), Juçara escreve para a coluna de mesmo nome, na Revista Ponte.





 

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